Era um congresso da empresa, eu me empolguei um pouquinho na hora da apresentação e acabei gritando muito que “é apenas Rock N’ Roll mas eu gosto disso”. Eu percebi que existia algo muito errado acontecendo quando fui ovacionada, mas percebi que esse lance de ser enaltecida por ser Rockeira, tinha começado alguns anos antes, com uma pesquisa que afirmava que pessoas que curtem Rock N Roll, têm inteligência, cultura acima da média e costumam ser melhores profissionais pro mercado de trabalho.
A banalização, meus amigos!
A banalização está sempre à espreita esperando pra subverter ouro em merda, e com o Rock não foi diferente: Se antes os amantes do estilo musical eram vistos como subversivos, drogados e rebeldes, de repente curtir “um som” virou característica essencial para o status quo. As bandas descobriram que o Brasil dá dinheiro, e temos o ano todo dezenas e mais dezenas de shows rockeiros para gente diferenciada que pode pagar quinhentos reais para apreciar algumas horas de diversão num dia qualquer…
A mamãe, a vovó, os filhinhos… Todos eles pagam ingressos parcelados pra shows, e se partíssemos da lógica de que Rock N’ Roll é um ritmo transformador, então as coisas estariam maravilhosas, mas o brasileiro… Ah! O brasileiro é muito ligado nas aparências, é muito ligado na ostentação, e a nova geração de rockeiros não é como antigamente.
A nova geração de rockeiros usa roupas caríssimas sob alcunha do “cool” e do descolado, a nova geração de rockeiros se vale do mito de que rockeiros são seres superiores para se tornarem verdadeiros boçais elitistas e alienados, e a coisa é tão grave, que a cultura que os rockeiros costumam consumir, aquela paixão por mitologia, por história, não serviu para abrir suas mentes, mas pra vomitarem discursos preconceituosos baseados em literatura viking, nazismo e armamentismo, pra vomitar um monte de preconceitos, separatismo e racismo. Os metaleiros brasileiros têm em suas veias o sangue negro, o sangue nordestino correndo, mas buscam representatividade em mitologias fantasiosas para se encaixarem numa pseudo hereditariedade nobre e cagam em cima de suas origens.
Os Rockeiros brasileiros estão entendendo absolutamente tudo errado, porque assim como qualquer público de qualquer estilo que criticam, são superficiais, e se valem de argumentos calçados em pesquisas questionáveis pra validar uma pseudo-superioridade.
Os feios, esquisitos, pobres, desajustados, enfim, todas as criaturas à margem da sociedade que foram acolhidos no Rock n’ Roll de outrora, estão com o pensamento equivocado que a elitização do movimento é a chance de colocá-los em um patamar de pseudo- superioridade diante da sociedade, quando deveriam , assim como o movimento que os acolheu, mostrar ao mundo que não existe certo ou errado, nem superioridade no que se refere a Rock’ n Roll, que sempre foi um movimento totalmente democrático e mandar a padronização e o separatismo tomarem no cu, porque nunca fomos escravos da opinião do mundo à respeito de nós mesmos, ou pelo menos, não deveríamos ser, porque não são assim que as coisas são dentro do Rock n’ Roll
O rock que sempre foi o som dos desajustados, que sempre falou com os “creeps”, esquisitos, que não pertenciam a lugar algum; O rock que teve suas raizes oriundas da música negra, que já nos anos 60, uma época totalmente machista, dava voz a mulheres que cantavam sem nenhum pudor à respeito de suas liberdades de escolha, suas vidas sexuais ativas; O Rock que colocou os holofotes sobre um guitarrista negro que ganhou o mundo, e que já nos anos 70 contava com diversas bandas compostas por homens que no objetivo de mostrarem que não fechavam com nenhum conservadorismo, aderiam a visuais femininos com seus cabelos exuberantes, maquiagens de dar inveja a qualquer blogueira de moda, e que levavam um estilo de vida hedonista regado a drogas, diversão e sexo, com homem, mulher ou quem quisesse participar… Esse movimento que tinha banda em plenos anos 80 questionando a proibição do aborto e o controle machista sobre o corpo das mulheres; que nunca seguiu regras; o Rock n’ Roll que mudou a vida de incontáveis pessoas ao redor do mundo, que abriu as portas do inconsciente, que trouxe senso crítico, questionamento, auto estima pra se sentir bem fazendo do jeito que se sabe fazer, aquilo que era imposto pra ser padronizado…Esse movimento que pregou um mundo sem fronteiras, religiões e guerra…
ESSE MOVIMENTO…
Virou palco pra pensamentos retrógrados, conservadores, virou embasamento pra toda sorte de brasileiro preconceituoso e parado num tempo que em nada está ligado ao Rock.
Virou sinônimo de Status entre gente que ignora o fato das bandas reconhecidas mundialmente hoje, terem em sua grande maioria, integrantes que passaram fome, e que se consagraram através de sua arte e ideologia, porque não tiveram dinheiro nem oportunidade pra ser outra coisa na vida, que não contestadores ; virou referencial para comercializar, ridicularizar e infantilizar a rebeldia, virou espaço pra bandas vendidas e afogadas na ganância, usarem seus microfones de protesto, pra vomitarem um monte de merda, apoiarem mediocridades do naipe de Bolsonaro e outros asquerosos da política, que outrora ajudaram a torturar qualquer ser que ousasse questionar o fascismo e autoritarismo, qualquer ser que ousasse ter pensamento crítico e espírito livre, e ainda que não fosse Rockeiro, conservavam comportamentos semelhantes com suas rebeldias e personificação das pessoas e questionamento acerca de tudo que há na face da terra.
Quantos exilados houveram na época da ditadura militar? Quantas vítimas da guerra, do preconceito, foram recebidas outrora no Rock N’ roll, e receberam voz ativa pra disseminar suas ideologias e empoderar-se diante de uma multidão que se identificava porque não tinha nem rosto , nem voz ativa enquanto meros indivíduos, e que se acharam dentro do Rock ‘n Roll?
Negros, judeus, mulheres, índios, homossexuais, estavam todos lá, compartilhando da mesma vibe sem haver juízo de valores em torno de nenhum deles. No Brasil, a cena metaleira tem seu público mais forte no norte e nordeste do país, e tudo isso pra quê?
Pra terem bandas que conquistaram públicos e reconhecimento através de seus talentos e que hoje cospem em cima de seus passados e usam a notoriedade dentro do movimento pra disseminar um monte de merdas que outrora eles abominavam?
Pra ter gente que bate no peito pra falar que é Rockeira, mas não tem a mínima noção à respeito desse movimento, que vai muito além de um ritmo musical ?
Nós cuspimos na cara da popularidade, e agora temos nosso movimento exposto como símbolo da mediocridade humana, símbolo de uma classe que sempre abominamos , símbolo de um elitismo que sempre nos recriminou. Contraditório, não?
O rock N’ Roll nunca vai morrer, mas e o espirito Rock n’ roll? Quando foi que o ápice da transgressão virou cantar letras de funk com sexo explícito? Onde estávamos quando o “Faça o que tu queres pois é tudo da lei”, deixou de ser lema? Quando foi que viramos chatos certinhos e almofadinhas que compram suas camisetas pretas com caveiras e cruzes(outrora anticristãs) em lojas de departamento?
Onde é que estávamos quando ser homossexual, ter uma vida hedonista e ser anti-religião passou a ser demonizado dentro do nosso próprio movimento? Quando foi que o Rock ‘n Roll se tornou assim tão coxinha? Quando foi que o Rock n ‘Roll passou a ser um movimento quase cristão, sendo que sempre fomos associados a Lucifer, o anjo de luz que foi expulso do paraíso por questionar as regras de Deus?
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