Sentou-se nele, olhando-o nos olhos, invadindo lhe a boca com a língua quente. Mal piscava enquanto o olhava, como se ele não fosse confiável o suficiente pra que ela fechasse os olhos nem por um segundo. Compenetrada… Analítica…

Buscava a si mesma nos olhos dele, e sempre encontrava. Estava ali a certeza que ela precisava, estava ali o conforto que ela sentia falta. Então se tranquilizava, e sabia que poderia fechar os olhos, e confiar nele, talvez de uma forma como a esposa dele não pudesse confiar.

Nunca falhava. Sempre se encontrava. Se tinha algo do qual ela tinha certeza é sobre o quanto ele a amava. A dúvida era:

O que ela faria com isso? Ela conseguiria ignorar todo o resto?

Da última vez que se viram antes daquela tarde, partiram sem se despedir, mas na cabeça dela era um Adeus. Prometeu que jamais permitiria ser tão humilhada mais uma vez, e que jamais deixaria alguém trazer à tona sua faceta mais tóxica, do jeito que ele fez e de fato, nos meses que se seguiram, não sentiu a falta dele. Não de forma tão evidente, como se tivesse bloqueado aquele sentimento dentro de si.

Foi só quando se perdeu de si mesma, à ponto de quase se esquecer de quem era, que ele veio na cabeça. Aquele conforto que se sente quando se tem certeza do amor de alguém, a certeza de que nunca vai embora, e nem nunca se acaba… O abraço dele, aonde ela se refugiava toda vez que se sentia perdida… Talvez por isso o permitiu voltar.

Seria ele dos males o menor? Ou Talvez somente um mal conhecido, onde ela encontrava conforto porque já tinha aprendido a lidar e a se defender?

O abraço dele era capaz de fazer ela se sentir como se tivesse se recompondo de forma tal, que todos os pedaços quebrados dela pareciam se juntar, e ela voltava pra ele, porque nenhum outro parecia conseguir fazer o mesmo.

” A gente sempre volta para os cenários previsíveis, ou sou eu problematizando demais?”

Se perguntava enquanto beijava-lhe o pescoço.

Depois dele, passou tanto tempo sem sentir isso, essa certeza, que num determinado momento achou mesmo que era indigna de amor. Achou mesmo que era desinteressante, pouco atraente. Não sabia se sentiu falta dele, ou da convicção em si mesma que ele fazia ela sentir.

Quando ele a procurou de novo, era um resgate de si mesma. Era se lembrar de quem ela era, aquela mulher que tinha o controle, que era amada, admirada e desejada, e foi através da deferência dele, do olhar dele, que ela se resgatou, que ela retomou a própria identidade.

Não é que ela não soubesse quem era, mas às vezes a validação externa era necessária, às vezes era preciso que alguém a lembrasse. Ela o amava, de forma tranquila e contínua, mas ela amava mais quem ela era quando estava com ele. Ele a fazia mais bem do que mal, pelo menos acreditava nisso.

Mas ali, com ele dentro dela, e todos os pensamentos girando na própria mente, ela conjecturava. Estaria sendo egoísta em permitir que ele voltasse sem que ela tivesse intenção de deixá-lo ficar?

Ele percebia o jeito dela, distante dali e conseguia sentir o amor que ela sentia por ele, mas ao mesmo tempo sentia também que não a tinha mais. Tinha passado, e até o poder de feri-la nos mesmos pontos, tinha se esvaído.

Ela cavalgava devagar, observando cada nuance do rosto dele de perto, o nariz pequeno, a pele tão perfeita, o cheiro da barba, do qual ela sentiu saudades por muito tempo, aquela beleza que a fez imaginar como seria o rosto dos filhos dos dois, mesmo que não planejasse tê-los e aquela familiaridade dos braços dele, invadida por ele de novo, como se fossem um só.

Todos os pensamentos girando na cabeça…

Esse tempo longe dele, em que esteve tão perdida, as enrascadas em que ele se meteu, os caminhos que se ramificaram, os erros que não têm volta, as pessoas que machucaram tentando esquecer um ao outro…

As pessoas que ele machucou, usou, e agora tentava descartar, quando percebeu que não serviram ao propósito desejado…

” Seria ele uma pessoa boa? Ou seria ele uma pessoa boa apenas com ela, por amar a ela, e quando esse amor passasse, quando esse cigarro fosse fumado até o filtro, ele descartaria, como fez com outras, que serviram pra estancar a paixão dolorida, curar o ego ferido, e distrair da dor de um coração partido que ela provocou?”

Da última vez não houve despedidas, e se machucaram tão mutuamente que já não se sabia de quem era a culpa, mas após alguns anos não deveria importar mais, ou deveria?

Ela tentou mudar, e a mudança foi tamanha, que nem ela se reconheceu, e muita coisa mudou pra ele também: a aliança no dedo, uma esposa, uma família aumentada, um caráter quebrado…

Será que a culpa foi dela? Será que um coração partido consegue quebrar alguém assim?

Fazer perder a fé, se tornar um traidor?

Sim, ela viu nas redes. Não que houvesse vocações pra ser criminosa de si mesma ao ficar cutucando uma velha ferida aberta e fuçando a vida do ex, mas houve um dia em que ela pensou nele, e a vida dele estava lá, escancarada pra quem quisesse ver, pra quando ela quisesse ver, e ele queria que ela visse.

Queria que ela visse que na indecisão dela, houve outras opções, que ela perdeu o homem que estava disposto a mudar tudo , a ser tudo que ela precisasse, pra fazê-la feliz. Ele dando para a nova esposa tudo aquilo que prometeram viver juntos, tudo aquilo que ela o deixou saber que ela queria ter, e ele dando pra outra sem que ela sequer tivesse pedido, sem que ela sequer dissesse que era daquilo que ela gostava. As mesmas viagens, os mesmos países, os mesmos sonhos, o casal de gatinhos que prometeram adotar juntos… Todo amor que ele sentia por ela, sendo entregue pra outra. Tudo que havia sido guardado ,cada sonho, cada plano, cada bem-querer escancarado pra outra, e ela que o conhecia tão bem, sabia que era tudo Fake. Ficou tão evidente a projeção que ele fez em cima da nova mulher, que ela percebeu que ele não a tinha superado, era questão de tempo até que o que foi enrustido, transbordasse e vazasse pelos cantos.

Não sentiu inveja da atual. Sentiu pena. Que dor deve ser projetar todo o futuro assim do lado de alguém, sem saber que essa intensidade toda é fruto do desespero por um amor não vivido, e não de amor destemperado?

Ele sorriu pra ela. Apertou-a contra o próprio corpo. O sorriso melancólico que dela ele não disfarçava. A fragilidade, e a nudez de corpo e alma, o olhar apaixonado que ela sempre conheceu bem e nunca mudou.

Mas ela estava distante, o olhar vazio, e ele percebeu, e concluiu pra si mesmo com muita tristeza, que talvez foi longe demais, que todas as manobras que ele fez pra tentar esquecê-la, não o fizeram esquecer, mas impactaram de forma tão profunda, que já não tinha jeito: Mudaram a vida de forma irremediável demais, e ele só estava tentando se livrar da dor que sentia, e daquela vulnerabilidade escancarada no desespero de um homem abandonado pela mulher que amava…

Ela saiu de cima dele, ainda com a porra quente dentro de si. Se vestiu sem nem tomar banho, enquanto ele, com os olhos marejados e o pau ainda melado, via ela partindo mais uma vez. Sem se despedir, mas agora com a certeza terrível de que as certezas se estabeleceram, e que era mesmo um fim, ao menos pra ela, cujo amor não era suficiente pra amar o cara que ele tinha se tornado, e que era efeito colateral da frustração, daquilo que eles não viveram.

Pra ele restava pegar todo o amor represado, e dedicar à esposa , a quem ele nunca amou profundamente, mas que seria a consolação por um coração novamente partido numa ferida antiga, que nunca cicatrizava. Fingir até acreditar na mentira que ele contou pra si, à ponto de se tornar tão real, que o fez perder absolutamente tudo.

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